O ego na ponta do lápis

Há um tempo, Dona Eila Ampula, uma artista de Penedo (RJ) esteve no Programa do Jô e travou o seguinte diálogo com o apresentador:

Jô Soares: Naturalmente eu vejo que você escolhe coisas que você gosta (para bordar). Por exemplo, tucano é um pássaro que você gosta bastante, não é mesmo?

Dona Eila: Detesto.

Jô Soares e a plateia ficaram chocados com a resposta dela. E a conversa continuou:

Dona Eila: Eu faço qualquer coisa que as pessoas gostem e comprem. Esse é o único propósito do meu trabalho. Não tem outro motivo.

Jô Soares: Você não tem satisfação artística quando desenha?

Dona Eila: Besteira.

A repercussão nas redes sociais foi enorme. Dona Eila - apelidada de "Velhinha Super-Sincera" - chegou até a ser criticada por conta da sua sinceridade. Confira o vídeo abaixo:  





Levando o assunto para o universo do desenhista profissional, chegamos ao ponto desse post: O profissionalismo que deve existir para que possamos viver da nossa arte.

Ficou confuso? Vamos lá:

De acordo com o dicionário Michaelis, profissional significa: Que exerce uma ocupação como meio de vida ou para ganhar dinheiro.

Somente desenhando, não se ganha dinheiro. É necessário haver uma relação comercial para isso. Uma solicitação para um serviço (no caso o desenho) e a entrega do mesmo mediante a um valor pré-estabelecido (o pagamento). Assim, estabelece-se a relação.

Para ser um profissional, o desenhista deve possuir uma visão estratégica e pensar como empresário. Saber, por exemplo, qual o tipo de desenho oferecer; analisar o mercado para precificar; saber quando disponibilizar um serviço específico e onde atingir o seu público-alvo; saber lidar com os seus clientes, desenvolvendo seu lado social...

E saber, principalmente, atender aos anseios dos seus clientes. Fazer o que o cliente deseja é fundamental para qualquer relação profissional.

Visão estratégica é fundamental para qualquer profissional

Imagine as seguintes situações:

a) Você vai em uma cafeteria e pede um café e o açúcar. Chega o café, mas ao invés do açúcar o garçom te oferece adoçante. Você então fala para o garçom que gostaria do açúcar, como pedido anteriormente. E ele se nega a trazer. Argumenta que o adoçante é melhor e que fará bem para a sua saúde. Você diz que não gosta de adoçante, mas mesmo assim ele insiste em não trazer o açúcar.

b) Você vai em uma loja de informática e pede uma impressora colorida. A vendedora, ao invés de trazer a colorida, traz uma que só imprime em preto e branco. Você então explica que a colorida é que atende as suas necessidades. E ela então tenta te convencer de que você está errado, que você deve comprar a que ela trouxe. E não te apresenta a impressora colorida.

Diante dessas situações, o que você faria?

Certamente iria embora e os estabelecimentos perderiam um cliente, certo? Ah, e ainda tem mais: como estamos na era digital, possivelmente iria às redes sociais e falaria como foi mal atendido nesses locais. Pronto, os locais teriam de lidar com uma pequena gestão de crise pela frente.

Recentemente, aqui em Santos, um Buffet, após um problema com atendimento, ser bombardeado nas redes sociais, foi obrigado a fechar suas portas. Não teve outra saída.

Com os desenhistas, as situações mostradas acima também acontecem. Estou há mais de 25 anos no mercado de desenho e para sobreviver neste ramo é necessário entender e atender as necessidades do cliente.

- Ah, Kadu, o cliente me pediu um trabalho que vai ficar estranho. Isso eu não faço.

Desculpe a sinceridade e a franqueza, mas você, então, não serve para trabalhar com desenho. Sim, uma empresa ou um profissional que não quer atender a vontade dos seus clientes não pode estar no mercado. Aliás, ele nem sobrevive. Como o garçom e a vendedora dos casos citados acima - que não trabalhariam em nenhum estabelecimento comercial.

Peão ou Rei?
O desenhista, como qualquer profissional, deve colocar o seu ego de lado e apenas - apenas isso! - fazer o que o cliente deseja.

Não vemos um pedreiro fazer o que quer em uma obra. Ele atende uma necessidade do cliente. Se também queremos chamar nosso trabalho de obra, temos que ter em mente que somos prestadores de serviço, assim como o pedreiro.

Você pode tentar explicar sua intenção ao cliente, mas - importante! - não sinta-se ofendido se mesmo assim ele não entender. Repito: apenas faça o que o cliente deseja!

Muitas vezes fiz desenhos lindos, impecáveis, mas que não foram aprovados pelos clientes pelos motivos mais variados possíveis.

Concordei? A maior parte deles.
Fiquei chateado? Alguns, sim. Muitas vezes o original fica melhor do que o desenho final.
Mas o que eu fiz? Deixei o ego de lado e entreguei o desenho como o cliente pediu.
Resultado? Cliente satisfeito.

E é isso que importa para qualquer profissional. Satisfazer o cliente, atender as suas necessidades e anseios dele e assim ser remunerado para isso.

- Ah, Kadu, mas eu sou artista, como vou criar sendo obrigado a fugir dos meus padrões?

Simples, deixe seu lado artista para os seus projetos pessoais, como HQ ou quadros, por exemplo. Ali você fica à vontade para criar de acordo com os seus gostos e preferências, sem a necessidade de agradar clientes. É até importante que você exerça livremente às vezes, como forma de extravasar sua criatividade e treinamento.

Embora seja um artista por essência, o fundamental é agradar aos clientes e para isso, além do domínio da parte técnica (importante também para que o desenho fique esteticamente bem feito) é necessário saber ouvir e cumprir prazos. Feito isso poderá viver de desenho.

"Escolha um trabalho que você ame e você nunca terá que trabalhar", Confucio. 

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